quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Exposição a uma classe de antidepressivos (ISRS) é associada a redução do volume cerebral na infância


Um estudo publicado no JAMA Psychiatry, em 30/08/2023, examinou a exposição intrauterina a antidepressivos do tipo Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS) e sua associação com o volume cerebral em crianças. O estudo revelou que a exposição pré-natal aos ISRS estava relacionada a uma diminuição no volume cerebral infantil. No entanto, os pesquisadores enfatizaram que as descobertas foram baseadas em um estudo com um tamanho de amostra relativamente pequeno e, portanto, exigem interpretação cuidadosa.

O estudo envolveu 3.198 gestantes e suas crianças e dividiu as participantes em cinco grupos: 41 que usaram ISRS durante a gravidez; 257 mulheres que não usaram ISRS, mas tiveram sintomas depressivos durante a gestação; 77 mulheres que usaram ISRS no pré-natal; 74 que evoluíram com sintomas depressivos após o parto; e 2.749 sem sintomas depressivos ou uso de ISRS, como grupo controle. Entre as participantes que utilizaram ISRS durante a gestação, 20 o fizeram apenas durante o primeiro trimestre e 21 no primeiro ou em um ou dois trimestres a mais. Os ISRS utilizados foram: paroxetina, fluoxetina, sertralina, fluvoxamina e citalopram. Os filhos das participantes, entre as idades entre 7 e 15 anos, foram submetidos a ressonâncias magnéticas cerebrais em 3 momentos diferentes.

Os resultados mostraram que as crianças expostas aos ISRS durante a gestação apresentaram redução no volume de substância cinzenta e branca, particularmente no circuito corticolímbico, que persistiu até os 15 anos. Essa redução foi observada em várias regiões cerebrais, como o córtex frontal e o córtex cingulado. No entanto, em algumas áreas do cérebro, como a amígdala, os volumes aumentaram com o tempo, retornando aos níveis observados em crianças não expostas aos ISRS.

Os pesquisadores destacaram que as implicações clínicas dessas alterações no volume cerebral ainda não eram claras e que mais pesquisas eram necessárias para avaliar os desfechos comportamentais e psicológicos a longo prazo associados a essas mudanças.

O estudo enfatizou a complexidade da decisão de prescrever ISRS durante a gravidez, uma vez que o uso desses medicamentos é considerado geralmente seguro, mas pesquisas anteriores levantaram preocupações sobre possíveis efeitos adversos no neurodesenvolvimento das crianças. O estudo concluiu que as descobertas não devem ser interpretadas de maneira simplista para promover ou desencorajar o uso de antidepressivos durante a gravidez até que evidências adicionais sejam obtidas.


Veja também em nosso novo blog: Exposição à classe de antidepressivos ISRS é associada a redução do volume cerebral na infância – Opinião Farmacêutica (wordpress.com)

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Por que a Dipirona, proibida em muitos países, é permitida no Brasil?

Pode até parecer estranho. Os brasileiros estão tão acostumados com a dipirona, presente sozinha (como genérico, na Novalgina e similares) ou em associações (Dorflex, Neosaldina, Lisador, etc.), que a maioria nem imagina que esta substância seja proibida nos Estados Unidos e em muitos países da Europa.

A dipirona (também conhecida como metamizol em Portugal) foi desenvolvida na Alemanha, em 1920, pelo laboratório Hoechst. Após 2 anos, ela já estava disponível comercialmente, sendo vendida nas drogarias, inclusive no Brasil, com o nome comercial Novalgina, e permaneceu sendo amplamente utilizada em todo o mundo até as décadas de 1960/70.

Nessa época, começaram a surgir estudos relacionando o uso de dipirona ao aparecimento de casos de agranulocitose.

O que é agranulocitose?
É uma alteração do sangue, caracterizada pela redução acentuada de células de defesa (granulócitos), que são subtipos específicos de um tipo de célula sanguínea, os glóbulos brancos. Os sintomas da agranulocitose incluem: dor de garganta, febre, cansaço excessivo, infecção do trato urinário, lesões boca e/ou na faringe, inflamação da gengiva.

A agranulocitose por si só não leva ao desenvolvimento de sintomas. No entanto, devido aos baixos níveis de células de defesa, a pessoa fica mais suscetível ao desenvolvimento de infecções, o que provoca o aparecimento dos sintomas, podendo ser grave e até mesmo fatal


Um estudo, publicado em 1964, calculou que a agranulocitose ocorreria em 1 a cada 127 pessoas que consumissem a aminopirina, uma substância cuja estrutura química é bem parecida à da dipirona.








                                                        Aminopirina                                                                       Dipirona



Baseando-se nessa semelhança, os autores do estudo não fizeram distinção entre as duas moléculas e assumiram que os dados obtidos para a aminopirina seriam também aplicáveis à dipirona. A partir desta e de outras evidências, o FDA (agência regulatória dos Estados Unidos), decidiu que a dipirona deveria ser retirada do mercado americano em 1977. Essa decisão foi seguida por Austrália, Japão, Reino Unido e diversos países europeus.

A partir da década de 1980, porém, começaram a surgir novas evidências sobre a segurança da dipirona:

O Estudo Boston, realizado em oito países (Israel, Alemanha, Itália, Hungria, Espanha, Bulgária e Suécia) envolvendo dados de 22,2 milhões de pessoas, obteve resultados que encontraram uma incidência de 1,1 caso de agranulocitose para cada 1 milhão de indivíduos que usaram a dipirona — considerada uma frequência muito baixa.

Em Israel, outro estudo, realizado com 390 mil indivíduos hospitalizados, calculou um risco de 0,0007% de desenvolver agranulocitose e de 0,0002% de morrer em decorrência dela.

Já na Suécia, que havia voltado atrás e liberado a dipirona brevemente nos anos 1990, foram detectados 14 casos de agranulocitose possivelmente relacionados ao tratamento, com média de 1 caso para cada 1.439 indivíduos que tomaram esse fármaco.

Essa frequência mais alta, aliás, fez com que o país voltasse a proibir sua comercialização novamente em 1999.


Qual o motivo desses resultados tão conflitantes?


Não se tem uma resposta definitiva, porém alguns fatores podem ajudar a explicar:

  • Existe uma mutação genética que parece facilitar o aparecimento da agranulocitose em alguns indivíduos que usam dipirona. E sabe-se que essa mutação é mais comum em populações dos Estados Unidos e de partes da Europa.
  • Dosagens mais altas e uso por tempo prolongado também poderiam influenciar neste risco, embora na própria bula da Novalgina conste a informação de que o aparecimento da agranulocitose "não é dose dependente e pode ocorrer em qualquer momento durante o tratamento".

E por que a dipirona é permitida no Brasil?


A dipirona foi alvo de uma grande pesquisa realizada na América Latina que ficou conhecida como Latin Study.


Entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005, cientistas do Brasil, Argentina e México analisaram dados de 548 milhões de pessoas. Nesse universo, foram identificados 52 casos de agranulocitose, o que representa uma taxa de 0,38 caso por milhão de habitantes/ano.


Pouco antes disso, em 2001, a Anvisa realizou um evento chamado “Painel Internacional de Avaliação de Segurança da Dipirona”, em que foram convidados especialistas brasileiros e estrangeiros. Concluiu-se, deste evento, que há consenso de que a eficácia da dipirona como analgésico e antitérmico é inquestionável, e que os riscos atribuídos à sua utilização na população brasileira são baixos e similares, ou menores, que o de outros analgésicos/antitérmicos disponíveis no mercado.


Podemos concluir, portanto, que a mutação genética que pode facilitar o aparecimento da agranulocitose em algumas pessoas que usam dipirona não parece estar presente em larga escala na população brasileira, e que, pelos resultados dos estudos realizados em nossa população, a dipirona é um medicamento seguro quando utilizado dentro das doses recomendadas e respeitando-se as contra-indicações e precauções.




sábado, 2 de setembro de 2023

Tempo de mudanças...

Há momentos na vida em que as mudanças simplesmente acontecem.

O blog Opinião Farmacêutica, que existe desde 2010, está  mudando de identidade visual, e se mudando para outra plataforma: o Wordpress. O Wordpress é reconhecido por ser uma plataforma mais flexível, e que permite muito mais personalizações do que o Blogger.

A mudança será gradual. Serão escolhidos os principais posts escritos durante esses anos, que serão revisados, atualizados e então postados na nova plataforma. E isso tudo junto aos novos artigos que serão escritos!

Num primeiro momento, os novos artigos que forem postados lá serão também postados aqui, praticamente de forma simultânea. 

Portanto, gostaria de agradecer a cada um de vocês, leitores, que acessaram este blog em algum momento nos últimos 13 anos! E também gostaria de convidá-los para conhecer o novo Opinião Farmacêutica:

opiniaofarmaceutica.wordpress.com


Muito obrigado a todos!

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Medir ou aferir a pressão? Qual o termo correto, afinal?

Os termos utilizados para o ato de utilizar um instrumento que mostrará qual a pressão sanguínea de um indivíduo são causa de muita discussão entre profissionais da saúde.


Eliminando-se os termos "tirar a pressão", que é totalmente incorreto, e "verificar a pressão", pouco utilizado, ficamos com os principais: "medir a pressão" e "aferir a pressão". Estariam os dois corretos, ou um é mais adequado que o outro? É essa resposta que me proponho a discutir nesse post.

Para começar, vamos usar as definições do dicionário Aurélio para cada um dos termos:

Aferir: 1. Conferir (pesos, medidas, etc.) com os respectivos padrões. 7. Avaliar, estimar, medir.

Medir: 1. Determinar ou verificar, tendo por base uma escala fixa, a extensão, medida ou grandeza de (algo).

Como podemos ver, medir é um dos sinônimos de aferir, o que tornaria ambos corretos gramaticalmente.

Porém, tecnicamente falando, o termo aferir é utilizado com o sentido de sua definição nº1: Conferir (pesos, medidas, etc.) com os respectivos padrões. Como exemplo, quando vamos aferir uma balança, pegamos um objeto (peso) com um valor conhecido (p. ex. 1kg), e vemos se a balança mostra exatamente 1kg. Caso ela não mostre esse valor, deverá ser calibrada. Isso é aferição. Compara-se o resultado de um instrumento com um padrão.

Já a palavra medir é utilizada quando se compara o objeto da medição com uma escala de valores, utilizando-se do auxílio de instrumentos. Como medir a temperatura, usando a escala Celsius ou Fahrenheit, através de um termômetro.

Aliás, os instrumentos utilizados para se fazer medições terminam em -metro, como o próprio termômetro, o velocímetro, o altímetro, o anemômetro, o pluviômetro, o barômetro e inclusive aquele utilizado para a medição da pressão sanguínea, o esfigmomanômetro.

Então, se você mede (e não afere) temperatura, velocidade, altitude, quantidade de chuva, pressão atmosférica, etc., então nada mais óbvio do que medir a pressão sanguínea também!

No entanto, a expressão "medir a pressão" foi ridicularizada em diversos cursos da área da saúde por professores que a ouviam de seus alunos e respondiam que "para medir a pressão, deve-se usar uma fita métrica". A causa da discórdia no uso dos termos deve ter surgido da ignorância desses profissionais quanto ao verdadeiro significado do uso dessas palavras.

Resumindo: embora pelo dicionário os dois termos estejam corretos, tecnicamente o uso do termo"medir a pressão" é mais adequado.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Eparema e Epocler servem para evitar ou curar a ressaca?



Quase todo mundo sabe que Eparema e Epocler servem "para o fígado", e muitos acham que são a mesma coisa. Mas não são iguais, e a escolha entre eles dependerá de qual o problema que a pessoa tem.


Mas eles servem para evitar ou curar a ressaca?


Para respondermos, primeiro vamos ver como funciona cada um desses medicamentos:


  • EPAREMA

Composto pelos extratos vegetais de Boldo, Cáscara Sagrada e Ruibarbo. Indicado para facilitar a digestão de alimentos gordurosos através da eliminação da bile.

Para entendermos melhor, primeiro vamos falar rapidamente sobre as funções da bile (também chamada de bílis): a bile é um fluido (líquido) produzido continuamente pelo fígado, e que vai sendo armazenado numa espécie de bolsa, chamada vesícula biliar (conhecida popularmente apenas como vesícula). Quando comemos, os alimentos vão tendo uma parte da sua digestão no estômago, e depois passam para o intestino. Quando chegam lá, a vesícula libera a bile que estava armazenada, para que ela possa "quebrar" a gordura presente no alimento, o que facilita a ação de uma enzima chamada lipase, que atua na absorção da gordura.


Após uma refeição rica em gordura, podemos ficar com uma sensação de digestão difícil, pesada. É aí que entra o Eparema. Ele tem ação colagoga (aumento da produção de bile) e colerética (aumento da saída de bile da vesícula). Portanto, facilita a digestão das gorduras. 

principal ação do Eparema deve-se ao extrato de Boldo.


  • EPOCLER
Composto por Colina (citrato de colina), betaína e metionina (racemetionina). Indicado no tratamento de distúrbios metabólicos hepáticos (= do fígado), entre eles a esteatose hepática

Essa doença caracteriza-se pelo acúmulo anormal de gordura dentro das células do fígado, condição que pode se agravar e levar a uma cirrose hepática. A esteatose é causada por diversos fatores, mas um dos mais comuns é a ingestão excessiva de álcool, aguda ou crônica.

Os aminoácidos presentes na fórmula do Epocler (colina e metionina), atuam na metabolização das gorduras acumuladas no interior dos hepatócitos, com o intuito de reverter o quadro da esteatose hepática. A metionina ainda tem importante função protetora do fígado contra os radicais livres por sua ação antioxidante acentuada e por ser precursora da glutationa, um dos principais antioxidantes deste órgão. A betaína completa a ação antioxidante hepática, pois juntamente com a metionina e a colina, acelera a remoção da gordura infiltrada no fígado.


Agora, respondendo à pergunta lá de cima, se eles servem para evitar ou curar a ressaca: NÃO!

Como pudemos ver, o Eparema não tem ação alguma sobre a absorção ou o metabolismo do álcool. Já o Epocler poderia ter algum efeito ao minimizar os efeitos oxidativos dos radicais livres. Porém, segundo o dr. Hoel Sette Jr., médico hepatologista e diretor clínico da Clínica Pró-Fígado, após ser perguntado se "Depois de beber, é bom tomar remédios hepatoprotetores como Epocler e Metiocolin?":

"Tais medicamentos, vendidos sem receita médica e compostos de sais minerais, aminoácidos e vitaminas, não têm qualquer efeito protetor sobre o fígado. Para quem não quer sofrer danos advindos do álcool, só existe um conselho: beber com moderação."


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