domingo, 12 de novembro de 2023

Para que serve o Clavulanato de Potássio (ácido clavulânico)?

Se você é uma pessoa observadora, já deve ter notado que existem medicamentos com apenas amoxicilina, e outros que combinam a amoxicilina com clavulanato de potássio (que é a forma do ácido clavulânico usada pela indústria farmacêutica). 

Mas qual é a sua função?


Para entendermos, precisamos ter uma noção da estrutura química das penicilinas, que são antibióticos do grupo dos betalactâmicos. O nome deste grupo deriva do núcleo (ou anel) betalactâmico, que é uma estrutura molecular comum a todos os antibióticos pertencentes a este grupo.

Núcleo betalactâmico (em vermelho)

A amoxicilina, que é uma penicilina, possui portanto o núcleo betalactâmico em sua molécula:



A ênfase dada até agora ao núcleo betalactâmico se deve ao mecanismo de resistência das bactérias a este tipo de antibióticos. Algumas bactérias produzem enzimas chamadas betalactamases, que se ligam ao anel betalactâmico e provocam sua quebra, inativando assim o antibiótico. A produção dessas enzimas é uma defesa da bactéria, para evitarem ser mortas pelo antibiótico.


Aí é que entra o clavulanato…


O clavulanato também possui um núcleo betalactâmico em sua estrutura:


As betalactamases produzidas pelas bactérias possuem uma afinidade maior pelo anel betalactâmico do clavulanato do que pelo da amoxicilina. Então, essas enzimas se ligam ao clavulanato e ficam presas, deixando a amoxicilina livre para agir. O clavulanato, portanto, se sacrifica para que a amoxicilina “brilhe”!


Em resumo, o clavulanato serve para diminuir a resistência das bactérias contra a amoxicilina, sendo terapeuticamente mais vantajoso do que a utilização da amoxicilina sozinha, porém tem o custo mais elevado como sendo sua desvantagem. 



quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Exposição a uma classe de antidepressivos (ISRS) é associada a redução do volume cerebral na infância


Um estudo publicado no JAMA Psychiatry, em 30/08/2023, examinou a exposição intrauterina a antidepressivos do tipo Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS) e sua associação com o volume cerebral em crianças. O estudo revelou que a exposição pré-natal aos ISRS estava relacionada a uma diminuição no volume cerebral infantil. No entanto, os pesquisadores enfatizaram que as descobertas foram baseadas em um estudo com um tamanho de amostra relativamente pequeno e, portanto, exigem interpretação cuidadosa.

O estudo envolveu 3.198 gestantes e suas crianças e dividiu as participantes em cinco grupos: 41 que usaram ISRS durante a gravidez; 257 mulheres que não usaram ISRS, mas tiveram sintomas depressivos durante a gestação; 77 mulheres que usaram ISRS no pré-natal; 74 que evoluíram com sintomas depressivos após o parto; e 2.749 sem sintomas depressivos ou uso de ISRS, como grupo controle. Entre as participantes que utilizaram ISRS durante a gestação, 20 o fizeram apenas durante o primeiro trimestre e 21 no primeiro ou em um ou dois trimestres a mais. Os ISRS utilizados foram: paroxetina, fluoxetina, sertralina, fluvoxamina e citalopram. Os filhos das participantes, entre as idades entre 7 e 15 anos, foram submetidos a ressonâncias magnéticas cerebrais em 3 momentos diferentes.

Os resultados mostraram que as crianças expostas aos ISRS durante a gestação apresentaram redução no volume de substância cinzenta e branca, particularmente no circuito corticolímbico, que persistiu até os 15 anos. Essa redução foi observada em várias regiões cerebrais, como o córtex frontal e o córtex cingulado. No entanto, em algumas áreas do cérebro, como a amígdala, os volumes aumentaram com o tempo, retornando aos níveis observados em crianças não expostas aos ISRS.

Os pesquisadores destacaram que as implicações clínicas dessas alterações no volume cerebral ainda não eram claras e que mais pesquisas eram necessárias para avaliar os desfechos comportamentais e psicológicos a longo prazo associados a essas mudanças.

O estudo enfatizou a complexidade da decisão de prescrever ISRS durante a gravidez, uma vez que o uso desses medicamentos é considerado geralmente seguro, mas pesquisas anteriores levantaram preocupações sobre possíveis efeitos adversos no neurodesenvolvimento das crianças. O estudo concluiu que as descobertas não devem ser interpretadas de maneira simplista para promover ou desencorajar o uso de antidepressivos durante a gravidez até que evidências adicionais sejam obtidas.


Veja também em nosso novo blog: Exposição à classe de antidepressivos ISRS é associada a redução do volume cerebral na infância – Opinião Farmacêutica (wordpress.com)

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Por que a Dipirona, proibida em muitos países, é permitida no Brasil?

Pode até parecer estranho. Os brasileiros estão tão acostumados com a dipirona, presente sozinha (como genérico, na Novalgina e similares) ou em associações (Dorflex, Neosaldina, Lisador, etc.), que a maioria nem imagina que esta substância seja proibida nos Estados Unidos e em muitos países da Europa.

A dipirona (também conhecida como metamizol em Portugal) foi desenvolvida na Alemanha, em 1920, pelo laboratório Hoechst. Após 2 anos, ela já estava disponível comercialmente, sendo vendida nas drogarias, inclusive no Brasil, com o nome comercial Novalgina, e permaneceu sendo amplamente utilizada em todo o mundo até as décadas de 1960/70.

Nessa época, começaram a surgir estudos relacionando o uso de dipirona ao aparecimento de casos de agranulocitose.

O que é agranulocitose?
É uma alteração do sangue, caracterizada pela redução acentuada de células de defesa (granulócitos), que são subtipos específicos de um tipo de célula sanguínea, os glóbulos brancos. Os sintomas da agranulocitose incluem: dor de garganta, febre, cansaço excessivo, infecção do trato urinário, lesões boca e/ou na faringe, inflamação da gengiva.

A agranulocitose por si só não leva ao desenvolvimento de sintomas. No entanto, devido aos baixos níveis de células de defesa, a pessoa fica mais suscetível ao desenvolvimento de infecções, o que provoca o aparecimento dos sintomas, podendo ser grave e até mesmo fatal


Um estudo, publicado em 1964, calculou que a agranulocitose ocorreria em 1 a cada 127 pessoas que consumissem a aminopirina, uma substância cuja estrutura química é bem parecida à da dipirona.








                                                        Aminopirina                                                                       Dipirona



Baseando-se nessa semelhança, os autores do estudo não fizeram distinção entre as duas moléculas e assumiram que os dados obtidos para a aminopirina seriam também aplicáveis à dipirona. A partir desta e de outras evidências, o FDA (agência regulatória dos Estados Unidos), decidiu que a dipirona deveria ser retirada do mercado americano em 1977. Essa decisão foi seguida por Austrália, Japão, Reino Unido e diversos países europeus.

A partir da década de 1980, porém, começaram a surgir novas evidências sobre a segurança da dipirona:

O Estudo Boston, realizado em oito países (Israel, Alemanha, Itália, Hungria, Espanha, Bulgária e Suécia) envolvendo dados de 22,2 milhões de pessoas, obteve resultados que encontraram uma incidência de 1,1 caso de agranulocitose para cada 1 milhão de indivíduos que usaram a dipirona — considerada uma frequência muito baixa.

Em Israel, outro estudo, realizado com 390 mil indivíduos hospitalizados, calculou um risco de 0,0007% de desenvolver agranulocitose e de 0,0002% de morrer em decorrência dela.

Já na Suécia, que havia voltado atrás e liberado a dipirona brevemente nos anos 1990, foram detectados 14 casos de agranulocitose possivelmente relacionados ao tratamento, com média de 1 caso para cada 1.439 indivíduos que tomaram esse fármaco.

Essa frequência mais alta, aliás, fez com que o país voltasse a proibir sua comercialização novamente em 1999.


Qual o motivo desses resultados tão conflitantes?


Não se tem uma resposta definitiva, porém alguns fatores podem ajudar a explicar:

  • Existe uma mutação genética que parece facilitar o aparecimento da agranulocitose em alguns indivíduos que usam dipirona. E sabe-se que essa mutação é mais comum em populações dos Estados Unidos e de partes da Europa.
  • Dosagens mais altas e uso por tempo prolongado também poderiam influenciar neste risco, embora na própria bula da Novalgina conste a informação de que o aparecimento da agranulocitose "não é dose dependente e pode ocorrer em qualquer momento durante o tratamento".

E por que a dipirona é permitida no Brasil?


A dipirona foi alvo de uma grande pesquisa realizada na América Latina que ficou conhecida como Latin Study.


Entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005, cientistas do Brasil, Argentina e México analisaram dados de 548 milhões de pessoas. Nesse universo, foram identificados 52 casos de agranulocitose, o que representa uma taxa de 0,38 caso por milhão de habitantes/ano.


Pouco antes disso, em 2001, a Anvisa realizou um evento chamado “Painel Internacional de Avaliação de Segurança da Dipirona”, em que foram convidados especialistas brasileiros e estrangeiros. Concluiu-se, deste evento, que há consenso de que a eficácia da dipirona como analgésico e antitérmico é inquestionável, e que os riscos atribuídos à sua utilização na população brasileira são baixos e similares, ou menores, que o de outros analgésicos/antitérmicos disponíveis no mercado.


Podemos concluir, portanto, que a mutação genética que pode facilitar o aparecimento da agranulocitose em algumas pessoas que usam dipirona não parece estar presente em larga escala na população brasileira, e que, pelos resultados dos estudos realizados em nossa população, a dipirona é um medicamento seguro quando utilizado dentro das doses recomendadas e respeitando-se as contra-indicações e precauções.




sábado, 2 de setembro de 2023

Tempo de mudanças...

Há momentos na vida em que as mudanças simplesmente acontecem.

O blog Opinião Farmacêutica, que existe desde 2010, está  mudando de identidade visual, e se mudando para outra plataforma: o Wordpress. O Wordpress é reconhecido por ser uma plataforma mais flexível, e que permite muito mais personalizações do que o Blogger.

A mudança será gradual. Serão escolhidos os principais posts escritos durante esses anos, que serão revisados, atualizados e então postados na nova plataforma. E isso tudo junto aos novos artigos que serão escritos!

Num primeiro momento, os novos artigos que forem postados lá serão também postados aqui, praticamente de forma simultânea. 

Portanto, gostaria de agradecer a cada um de vocês, leitores, que acessaram este blog em algum momento nos últimos 13 anos! E também gostaria de convidá-los para conhecer o novo Opinião Farmacêutica:

opiniaofarmaceutica.wordpress.com


Muito obrigado a todos!

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